Durante a LAAD 2009, no Riocentro (RJ), presenciei a cerimônia de lançamento oficial do Embraer C-390 Millennium, projeto que havia surgido pela primeira vez na mesma feira em 2007 como um esboço conceitual ainda incipiente, revisto na visão apresentada dois anos depois com importantes mudanças em seu design.
Na foto do artigo que escrevi há 13 anos, lá está uma maquete do avião, e ao seu lado o trio formado pelo brigadeiro Juniti Saito, então comandante da Força Aérea Brasileira, o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o então diretor presidente da Embraer, Frederico Fleury Curado.
Lançamento do KC-390 em 2009. Imagem: Roberto Caiafa
Muitos desacreditaram aquele anúncio ali mesmo, durante a cerimônia de lançamento. Construir o que seria o maior avião já produzido no Brasil, e obter sucesso em um mercado dominado pelo C-130 Hercules da Lockheed Martin pareciam metas difíceis demais para os céticos de plantão.
No roll-out do KC-390, em 2014, quase cinco anos após o seu lançamento, muitos ainda desacreditavam o projeto, mesmo com o avião saindo do hangar e mostrando suas proporções, as qualidades funcionais, etc. “Tem de voar para acreditar”, diziam.
Com o início dos voos em 2015, uma saga de grandes conquistas marcaram esses anos de desenvolvimento, e o avião foi cumprindo um intenso e rigoroso processo de testes em solo e em voo (não sem perdas, como o finado PT-ZNF) com resultados sempre acima das expectativas.
O KC-390 é fabricado em Gavião Peixoto. Imagem: Força Aérea Brasileira
Testado em diferentes ambientes operacionais como desertos áridos e regiões geladas, pistas com ventos de través ou sob neblina constante, dentre outros desafios, o KC-390 foi vencendo todos esses obstáculos, e sua homologação completa, incluindo todas as missões de reabastecimento em voo como por exemplo, reabastecer os Gripens, helicópteros de grande porte ou outros jatos KC-390, deverá ser concluída até o final de 2023 ou início de 2024, segundo declarações da Força Aérea e da Embraer Defesa e Segurança.
Projetado para reunir em uma plataforma sofisticada o melhor que a aviação militar de transporte pode entregar em tecnologias de missão, o KC-390 também adotou premissas simples, como a escolha do motor, dois turbofans V2500-E5, massivamente empregados nos aviões comerciais Airbus A320 e montados pela International Aero Engines AG (IAE).
O projeto do novo transporte militar, que possui fornecedores de partes e componentes em vários países, incorporou um radar multibanda digital, sistema de aumento da consciência situacional dos pilotos e visão extendida, cockpit pronto para óculos de visão noturna, sistemas de controle de voo fly-by-wire com side stick e aviônica Pro Line Fusion da Collins Aerospace, fazendo do KC-390 um dos mais modernos designs de cabine para missões operacionais na aviação militar de transporte, até o momento.
O motor turbofan V2500-E5, massivamente empregados nos aviões comerciais Airbus A320, é fabricado pela International Aero Engines AG. Imagem: Roberto Caiafa
Em 2022, apesar das dificuldades econômicas impostas pela Pandemia do Covid-19, o jato Embraer KC-390 é uma realidade na Aviação de Transporte da Força Aérea Brasileira, mesmo com a renegociação do número total de aeronaves encomendadas de 28 para 22 exemplares, reduzindo a cadência de produção e dando fôlego para os recursos do Programa KC-390 oriundos do Governo Federal Brasileiro.
Cinco exemplares já estão em serviço em dois esquadrões, e pelo menos dois clientes integrantes da NATO/OTAN, Portugal e Hungria, devem receber seus exemplares a partir de 2023/2024.
A Embraer Defesa e Segurança continua promovendo o avião pelo mundo, com grande repercussão no Oriente Médio e Golfo Pérsico, especialmente durante a feira World Defense Show, realizada em março último na Arábia Saudita.
Segundo pessoas próximas ao programa, recentes contratos assinados pela Embraer com a indústria aeroespacial holandesa poderiam sinalizar novas encomendas do modelo, e novos operadores podem estar a caminho, especialmente no atual momento onde a União Europeia precisa reforçar sua capacidade logística militar entregue pelo ar.
O piso do compartimento de cargas do KC-390 pode ser convertido rapidamente para diversas funções. Imagem: Roberto Caiafa
Os dois aviões encomendados pela Força Aérea da Hungria são um bom exemplo disso, já que possuem configuração dual, voando missões Medevac como UTI aéreas, ou como aeronaves tanque, uma capacidade crucial para reabastecer de combustível os caças JAS 39 Gripen húngaros dentro de um contexto operacional de defesa do espaço aéreo OTAN/NATO.
Na Força Aérea Portuguesa, as necessidades incluem capacidade de combate pelo ar a grandes incêndios florestais com equipamento especializado, e também executar grande número de missões onde o pouso e a decolagem com volume e peso próximo dos limites operacionais nas pistas curtas das ilhas e possessões ultra-marinas portuguesas, ao nível do mar, sejam rotineiras e eficientes.
Descrevendo um Game Changer
A equipe de Engenharia da Embraer reuniu no KC-390 conceitos consagrados na Aviação de Transporte Militar pelo C-130 Hercules, o ponto de partida para o novo avião, e foi muito além disso, criando um líder na categoria até 23 toneladas.
O compartimento de carga, com ampla rampa traseira, possui volume contínuo em toda a sua extensão e profundidade/altura, ou seja, a caixa estrutural das asas não interfere no espaço disponível para o embarque de cargas volumosas.
A aviônica Pro Line Fusion da Collins Aerospace em evidência. Imagem: FAB
O piso, do tipo reconfigurável destravou, girou, rebateu, travou, ancorou, amarrou e usou, possui várias praticidades como a alta resistência estrutural a pesos concentrados, o que permite embarcar veículos blindados leves, helicópteros medianos com os rotores removidos e levados desmontados, ou lançadores de mísseis e foguetes (blindados 6x6) Astros 2020, da viatura lançadora ao veículo posto de comando, incluindo também os cases de munição (foguetes e mísseis).
O avião está preparado para transportar e lançar, com apoio de um sistema automático de cálculo, tropas paraquedistas (de dia ou a noite, do salto livre operacional altante ao salto tático a baixa altura, enganchado), fardos de carga ou qualquer outro material homologado pela Brigada de Infantaria Paraquedista.
O tipo pode entregar com grande flexibilidade operacional, em pistas de linha de frente, desde conteiners de suprimentos a cargas especiais como usinas de oxigênio líquido, missões comprovadas na prática durante a Operação Covid-19, quando o KC-390 foi fundamental em diversas missões de suporte logístico por todo o Brasil, especialmente nas regiões norte e amazônica, desprovidas da infraestrutura existente nas regiões sudeste e sul.
Paraquedistas brasileiros prestes a saltar a noite, nos Estados Unidos: desempenho equivalente aos seus pares norte-americanos. Imagem: FAB
Tudo o que é embarcado no KC-390 pode ser gerenciado pelo Load Master/Mestre de Carga em uma estação de trabalho dedicada, integrada a cabine de voo, posicionada na área de carga a vante.
O banheiro da aeronave, similar ao encontrado em airliners comerciais de grande porte, tem recebido muitos elogios, especialmente das tripulantes e pilotos militares do sexo feminino.
O KC-390 também introduziu na Aviação de Transporte da FAB sistemas defensivos de missão como lançadores de chaff e flares, contramedidas eletrônicas e capacidade de voo noturno desenfiado seguindo os contornos do terreno, em missões operacionais sobre zonas quentes.
Nos próximos meses, especialmente nos eventos de 2023 como o Paris Air Show, certamente deverão ocorrer anúncios de mais nações que decidiram substituir sua força de aeronaves de transporte turboprop pelos jatos bimotores da Embraer Defesa e Segurança.
O tempo será o senhor de todas as ações.
O KC-390 é a primeira aeronave de transporte da FAB capaz de se defender em espaço aéreo hostil de forma eficiente (Imagem: Força Aérea Brasileira)